No dia 19 de outubro de 2015 foi publicada no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro a sanção da Lei nº 7.083/2015 pelo Governador Luiz Fernando Pezão, autorizando o retorno da venda e consumo de bebidas alcoólicas nas arenas e estádios fluminenses.
A indigitada lei, cujo projeto foi de autoria dos Deputados Luiz Martins, Geraldo Pudim e Wanderson Nogueira, atendeu uma antiga reivindicação dos clubes e das concessionárias de lanchonetes e bares presentes no interior desses locais, atraídos pela possibilidade do incremento financeiro a ser proporcionado por tal medida, bem como acompanhou a onda de liberações nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte, após a promulgação das respectivas legislações estaduais sobre a mesma temática.
Não há dúvidas que a inexistência de notícias relevantes sobre conflitos entre torcedores durante as Copas do Mundo e das Confederações no Brasil, eventos que tiveram a venda de cerveja temporariamente permitida, por expressa determinação da Lei Geral da Copa, também contribuiu de forma substancial para que as Assembleias Legislativas estaduais apresentassem os seus projetos de liberação das bebidas alcoólicas nos estádios.
É de bom alvitre ressaltar que, apesar da existência de alguns pontos semelhantes, as diferenças se fazem presentes nas permissões concedidas pelos textos legais de cada um dos estados supramencionados.
No que tange a lei do Rio de Janeiro, esta autoriza a comercialização e consumação exclusiva de cerveja em copos de plástico ou papel, no período compreendido entre a abertura dos portões para acesso do público à arena ou estádio até o término da partida, assim entendido como o momento em que o árbitro dá o apito final (arts. 2º e 4º).
A supracitada lei determina ainda que sejam veiculadas mensagens educativas sobre o consumo responsável de bebidas alcoólicas nos telões dos estádios ao menos quatro vezes durante as partidas.
As leis do Espírito Santo e da Bahia, por sua vez, são praticamente idênticas e liberam a ingestão de qualquer bebida alcoólica entre uma hora e meia antes do jogo e os quinze minutos iniciais do segundo tempo. Não há qualquer previsão quanto ao teor de álcool em ambos os textos legais.
Em Minas Gerais, a compra da bebida é permitida até o intervalo das partidas, porém não pode ser consumida nas arquibancadas. Já no Rio Grande do Norte, o torcedor só pode retirar 01 (um) copo de bebida alcoólica com teor máximo de 43º Gay Lussac por vez, por exemplo.
Contudo, o que até hoje é motivo de comemoração para muitos torcedores, não é uma realidade em todos os Estados brasileiros como, por exemplo, São Paulo.
A comercialização de bebidas alcoólicas nos estádios esteve totalmente proibida no Brasil entre 2008 e 2013, em razão da Resolução nº 1/2008 da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), emitida após a assinatura do Termo de Ajuste de Conduta (TAC) pelo Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público e a entidade máxima do futebol nacional.
Posteriormente a tal fato, foi acrescentado o artigo 13-A ao Estatuto de Defesa do Torcedor pela Lei nº 12.229/2010 (atualmente revogado pela Lei Geral do Esporte – Lei nº 14.597/23), visando disciplinar o acesso e a permanência do torcedor no recinto esportivo. O inciso II do dispositivo legal em questão aduzia que uma das condições necessárias era o indivíduo “não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos de violência”.
Com base, principalmente, nos preceitos acima indicados e considerando a proliferação de leis estaduais permitindo a comercialização e a consumação de bebidas alcoólicas nos estádios e arenas esportivas, principalmente após a realização das Copas das Confederações e do Mundo, o que em tese violaria o disposto na época pelo Estatuto de Defesa do Torcedor, o ilustre Procurador Geral da República da época, Dr. Rodrigo Janot, atendendo uma representação do Ministério Público da Bahia (MP-BA), ingressou com as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) nº 5112 e 5460 no colendo Supremo Tribunal Federal (STF) contra as legislações baiana (nº 12.959/2014) e mineira (nº 21.737/2015).
Todavia, insta salientar que o entendimento esposado pelo insigne Procurador Geral da República na ADI em comento, nunca correspondeu ao da comunidade jurídica desportiva sobre o assunto.
Com efeito, a redação do artigo 13-A do supramencionado estatuto, na realidade, não proibia o consumo de bebida alcoólica nos estádios e arenas esportivas, mas o ingresso e a permanência de indivíduos com qualquer bebida e/ou recipiente passível de gerar atos de violência.
Antes mesmo da proibição em 2008, os copos de papel ou plástico já atendiam a exigência que passou a ser feita pelo aludido estatuto tão somente a partir de 2010. De igual forma, até hoje não existe estudo que indique terminantemente a cerveja como um tipo de bebida capaz de provocar atos de violência pelos torcedores.
Logo, facilmente se vislumbra que não havia, na hipótese, qualquer ofensa ao que dispunha no Estatuto de Defesa do Torcedor.
Paralelamente, deve ser ressaltado que a liberação evita que torcedores fiquem bebendo os mais variados tipos de bebidas alcoólicas, algumas até com o teor alcoólico superior ao da cerveja, nas cercanias da praça esportiva até a hora da partida começar, o que causa tumultos desnecessários no momento da entrada. Na essência, com relação aos aspectos aqui apresentados, o escopo do estatuto no que se referia a segurança, conforto e bom entretenimento do torcedor, também sempre foi preservado e observado pelas leis estaduais.
Ainda vale lembrar que reportagens jornalísticas e estudos históricos sobre casos de violência entre torcedores, indicam que a maior parte das ocorrências é registrada em locais distantes dos estádios.
Em clara sintonia a tais apontamentos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) acabou julgando improcedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 5112 e 5460 em 16 de agosto de 2021, ao argumento de que tanto a lei mineira, quanto a baiana estão no âmbito da competência dos estados para complementar a legislação federal.
O Ministro Edson Fachin, Relator do julgamento das aludidas ADIs, consignou em seu voto que o Estatuto do Torcedor não se referia ao consumo da bebida, mas ao vasilhame em que a mesma é transportada, também sendo incoerente proibir o consumo de álcool por torcedores no interior da praça esportiva, mas nada fazer com relação ao consumo nas imediações dos estádios. Também relembrou o eminente Ministro Fachin que o Decreto nº 6.117/2007, que institui a Política Nacional sobre o Álcool, não estabelece relação direta entre bebida alcoólica e violência em geral.
Desta forma, em apertada síntese, foi sedimentado pelo colendo STF que a liberação do consumo de bebidas alcoólicas no interior dos estádios é passível de regulamentação pelos Estados brasileiros na ausência de nítido comando federal.
Por fim, é de bom alvitre salientar que o entendimento do ilustre Ministro Fachin foi observado durante a elaboração da ainda recente Lei Geral do Esporte, que revogou integralmente o Estatuto do Torcedor e estabeleceu como condições de acesso do torcedor nas arenas esportivas: “não portar materiais que possam ser utilizados para a prática de atos de violência” e “não estar embriagado”.
Sendo assim, resta claro que a liberação do consumo de cerveja, em recipiente apropriado, nas arenas esportivas depende atualmente de atuação e regulamentação pelo Poder Público de cada unidade da Federação, sendo ainda certo que o torcedor paulista pode ter esperança de mudança neste cenário que perdura desde 1996 graças a tramitação de dois projetos de lei estadual que contam com a simpatia e apoio da Federação Paulista de Futebol (FPF).
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Referências:
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=472197&ori=1
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=308658&ori=1
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=266383&ori=1
Artigo elaborado por Thiago Gorni Moreira, advogado especializado em Direito Desportivo e sócio do escritório Gorni Moreira Advogados.
Publicado originalmente no site FutGestão em 2015 e atualizado em 2024 para publicação neste blog.